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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Na pandemia, os dilemas e os riscos de comemorar as festas de fim de ano

A proximidade das festas de fim de ano, que tradicionalmente envolvem longas horas de comemoração, reuniões de familiares e grupos grandes de pessoas, além de viagens, tám colocado lí­deres globais e autoridades de saúde em alerta para picos futuros de Covid-19 — potencialmente ainda maiores e mais mortí­feros dos que estão em curso atualmente.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) defende que evitar reuniões familiares seria a ;aposta mais segura; para este Natal. Em recente entrevista coletiva, Maria Van Kerkhove, lí­der técnica da Covid-19 na OMS, defendeu que as famí­lias prefiram reuniões virtuais neste ano.

Mesmo reconhecendo a dificuldade que as pessoas terão em adotar esta conduta, Kerkhove alerta que as famí­lias devem tomar essa decisão avaliando a chance de estar, inadvertidamente, causando situações de alto contágio. A recomendação também é não viajar. Se for, priorize ir de carro. Não obstante as recomendações é bom ter em mente que por maior que seja o cuidado que se tome, há sempre o risco de contágio, alertou.

Espaços fechados, mal ventilados e com aglomerações regadas a álcool (que tende a nos fazer relaxar nas medidas de precaução) é uma receita perigosa para o alastramento da Covid-19, de acordo com a maioria dos especialistas.

“O momento é de amarmos a nossa própria vida e a vida de quem amamos”

O infectologista Jaques Sztajnbok, supervisor da UTI do Instituto de Infectologia Emí­lio Ribas, em São Paulo, também sugere que as pessoas evitem festas de fim de ano em 2020. Segundo ele, nessas ocasiões é comum que ;ao comer, todo mundo esteja sem máscara, conversando, falando alto, rindo e próximo — modos pelos quais a disseminação aumenta mais ainda. Segundo ele, é um cenário perfeito para o contágio.

Uma das frentes incansáveis na luta contra a pandemia em Mato Grosso do Sul, a doutora Christinne Maymone, secretária-adjunta da SES (Secretaria de Estado de Saúde) faz a seguinte reflexão: “o momento é de amarmos a nossa própria vida e a vida de quem amamos”.

Alguns paí­ses estão adotando um padrão para estas reuniões, de no máximo de 10 pessoas do mesmo núcleo familiar. Mas de acordo com Maymone, é preciso levar em conta o tamanho do local onde se pretende reunir.

“Em um espaço pequeno, de 3×2 m², por exemplo, é muito difí­cil acomodar oito pessoas sem aglomeração”, explica, ressaltando que é preciso usar o bom senso sempre. De acordo com Maymone, mesmo em espaços mais amplos, é bom  manter as regras de biossegurança – distância de 1,5 m, máscara e higiene das mãos. “Retire a máscara quando for comer, mas mantenha a distância”, sugere.

A grande preocupação da secretária adjunta é com a proteção e o cuidado com as pessoas mais vulneráveis, como os idosos. Com a tranquilidade e segurança, Christine faz questão de ressaltar a importância da fé. “Estamos í s vésperas de uma vacina, é preciso ter esperança de que todo o esforço vai valer a pena”, diz. “Falta pouco”, anima a doutora.

Dra. Christinne Maymone, secretária-adjunta da SES (Foto: Edemir Rodrigues)

Pessoas decidem com base na emoção, diz sociólogo

Mas por que, e diante de tantas recomendações e evidências de contágio, o brasileiro não consegue abrir mão das festas de final de ano? Para o sociólogo e historiador, Paulo Cabral, a cultura arraigada que vem dos nossos ancestrais é um fator importante para analisar este comportamento. Segundo ele, existe uma memória emocional que não está no domí­nio da razão. â€œí‰ algo anterior a informação”, explica.

Na avaliação de Cabral, a festa de Natal também carrega um simbolismo religioso que é muito importante para as famí­lias. “Tenho lembranças carinhosas de muitos Natais, mas em virtude da pandemia estes encontros precisam ser reavaliados”, sublinha.

Transgressão e dificuldade de lidar com a ansiedade

O sociólogo chama a atenção também para outro significado das festas, sobretudo nas classes mais pobres. â€œí‰ um momento de subversão da realidade, onde as pessoas querem esquecer as privações”. Por isto, segundo ele, elas se sentem imunes ao perigo e preferem ignorar toda a informação sobre os riscos. “São comportamentos guiados pela emoção, não pela razão”, completa.

E o que mais se vá nesta época são pessoas ávidas pelas comemorações. A mãe que não quer abrir mão da tradição, a avó que sente saudades dos filhos e as crianças insistem em ter um Papai Noel. A ansiedade, que já está grande por conta de meses de restrições e insegurança, fica ainda maior com a pressão.

De acordo com a psicanalista í‚ngela Sollberger, a dificuldade para lidar com este sentimento faz com que as pessoas busquem estratégias para lidar com o mal-estar que a psicanalista chama de “ansiedade sem nome”.

“O nome que não aparece, na verdade seria a mortalidade, mas como eles não conseguem pensar sobre isto, preferem atuar”, analisa. E por atuar, entende-se: burlar as regras, entregar-se a fantasia de que nada vai acontecer. Para í‚ngela, é deste modo que as pessoas se defendem contra a ansiedade cada vez mais presente na sociedade.

Para alguns, proteger a famí­lia é a escolha certa

A professora da UFMS, Lucilene Machado, está bem consciente da atual situação de pandemia que vivemos. Por isto mesmo ela escolheu passar o Natal bem diferente de anos anteriores, quando se reuniam de 20 a 30 pessoas.

Pensando sobretudo na segurança da mãe, dona Nailza, de 76 anos, que está em isolamento desde março, Lucilene decidiu passar a data apenas em companhia da mãe e de uma prima. Nem mesmo o irmão, de 53 anos, nem os filhos de 30 e 34 estarão presentes no Natal. O argumento da professora para a ausáncia do restante da famí­lia é simples: “Todos eles circulam muito por vários lugares, e não podemos arriscar a contaminação”, pondera.

A atitude consciente, embora difí­cil, é a forma que ela encontrou para proteger a famí­lia. â€œí‰ o mí­nimo que podemos fazer neste momento”, assegura.

Pensando na mãe, Lucinele fará Natal reduzido (Foto: Arquivo pessoal)

Com quatro irmãs, seis sobrinhos diretos e outros seis sobrinhos netos, a jornalista Ana Cláudia Salomão disse que ainda está avaliando a comemoração de Natal. “Todos os anos a gente costuma se reunir, mas neste ano estamos muito preocupadas por causa da segunda onda do coronaví­rus”, admite.

O sobrinho mais novo, Carlos Henrique, de 9 anos, que mora em Sidrolândia, pediu que a mãe fizesse uma festa na casa deles com tudo que tem direito – árvore, presentes, tias e primos todos juntos. Mas na avaliação da jornalista se houver reunião o número de pessoas será no máximo 10. “Nada é certo ainda”, explica.

Mesmo com pedido explí­cito do xodó da famí­lia, tia Ana Cláudia acredita que ele saberá compreender se não houver festinha este ano. Validando o mesmo pensamento, aproveita para citar o ator Marcos Caruso que, segundo ela, em entrevista ao programa â€œí‰ de Casa” fez um jogo de palavras, muito inteligente e interessante. “Ele disse que o melhor presente é não estar presente. Pensemos”. Vale a reflexão.

Carlos Henrique (direita) pediu para reunir a famí­lia neste Natal (Foto: Arquivo pessoal)

Fonte: Theresa Hilcar, Subcom

2020-12-24 08:41:00

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