Uma investigação do Ministério Público (MP) mostrou como agiam comandantes da Polícia Militar, na facilitação do contrabando de cigarros vindos do Paraguai. Um coronel, quatro tenentes-coronéis e um major estão no banco dos réus por supostamente terem recebido propina para integrar uma organização criminosa. O inquérito faz parte da terceira fase da Operação Oiketicus, que investiga a corrupção de policiais no contrabando de cigarros em Mato Grosso do Sul desde 2018. A nova fase recebeu o nome de ;Avalanche;.
Conforme a investigação, os contrabandistas montaram uma rede que facilitava a entrada de cigarros do Paraguai no Brasil, por Mato Grosso do Sul. O esquema contava com ajuda da própria polícia e era comandado por oficiais do alto escalão da Polícia Militar (PM). Seis comandantes são acusados de integrarem o esquema criminoso: o Coronel Kleber Haddad Lane, ex-chefe do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) de Dourados, os tenentes-coronéis Carlos da Silva, que comandou a PM em Dourados, Jidevaldo de Souza Lima, então major em Sidrolândia, Josafá Pereira Dominoni, sub-comandante da Polícia Rodoviária, Wesley Freire de Araújo, que comandou a PM em Amambai e depois em Naviraí e o major Luiz Cesar de Souza Herculano, de Coxim.
De acordo com a denúncia, os seis comandantes da PM âao menos durante os anos de 2016 a 2019â âintegraram pessoalmente uma organização criminosaâ e ârecebiam vantagem indevida (propina), em periodicidade mensal, (para) propiciar o funcionamento do esquema criminoso de contrabandoâ de âcargas ilegais de cigarro provenientes do Paraguaiâ.
Ainda conforme o MP, a âorganização criminosa somente em 2017 contrabandeou ao menos 1.200 carretas com cigarros, totalizando mais de R$ 1 bilhão e 500 milhões de prejuízo aos cofres públicosâ. A denúncia comprova que os comandantes formaram uma zona de segurança para os contrabandistas, demonstrada pela diferença no número de apreensões feitas pela Polícia Militar e pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) nos trás primeiros meses de 2018, quando diversas cargas com cigarros passaram pelo estado. Os criminosos escolhiam como rota as rodovias estaduais, sabendo que teriam apoio dos policiais corruptos.
Segundo o MP, ;a utilização da MS-080 pelos contrabandistas se dava também pelo fato dos ‘acertos’ com Policiais Militares que fiscalizam a região evitando assim tragarem pela BR-163 onde a fiscalização é realizada pela Policia Rodoviária Federal;. Até quando os cigarros eram apreendidos, os contrabandistas tentavam se livrar com a ajuda dos comandantes. Foi o que aconteceu, de acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), com o então major Jidevaldo de Souza.
Ele era o ;chefe Sida; na planilha dos contrabandistas, apelido dado pelo município em que ele trabalhava, Sidrolândia, cidade a 60 quilômetros de Campo Grande. O fato que chamou a atenção da investigação aconteceu ;no dia 14 de junho de 2018;, quando ;policiais militares de Terenos fizeram uma grande apreensão de cigarros, que eram transportados em trás carretas;. Enquanto os policiais finalizavam a ocorráncia, um homem, ;no intuito de conseguir a liberação das carretas apreendidas, questiona se não haveria no local os policiais Souza e Campos;, se referindo a Jidevaldo Souza e ao sargento Ricardo Campos Figueiredo, já condenado a 18 anos de prisão durante a Operação Oiketicus.
Em depoimento, um policial que fez a apreensão disse ao Gaeco que os motoristas pretendiam passar pela área que Souza comandava, mas erraram o caminho e tentaram ;comprar; os policiais que prenderam os contrabandistas, ;oferecendo a quantia de R$ 250 mil, mais R$ 15 mil semanais, para que os presos e os cigarros apreendidos fossem liberados;. Os policiais não aceitaram e a carga continuou apreendida.
A denúncia comprovou que o comandante de Sidrolândia recebeu depósitos de mais de R$ 85 mil em propina, além de quase R$ 230 mil em transferáncias não identificadas. Na ação que está na justiça, o MP pede que ;seja decretada a perda do cargo dos denunciados;, pela ;conduta por eles perpetradas ser da mais alta gravidade de maneira que se torna incompatível com a atividade policial militar;. As defesas dos comandantes disseram que todos negam as acusações e que irão provar a inocáncia no processo.
O comandante-geral da PM em Mato Grosso do Sul, coronel Marcos Paulo Gimenez, diz que os atos de corrupção não representam a instituição. ;A PM é formada por homens comprometidos, resilientes e as nossas apreensões e ações mostram isso. Então o que aconteceu não podemos entender como normalidade e não refletem a real atuação da Polícia Militar em Mato Grosso do Sul;, afirma.
2020-07-22 09:15:00