A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos analisou nesta terça-feira (2) os primeiros pedidos de reparação coletiva da história do país.
Na primeira análise, o colegiado formalizou anistia e pedido de desculpas formal do Estado brasileiro aos indígenas Krenak, do norte de Minas Gerais. Ainda nesta terça, deve ser analisado pedido semelhante dos indígenas Guyraroká, que ocupam um território no Mato Grosso do Sul.
As duas ações tinham sido rejeitadas pela Comissão de Anistia em 2022, com integrantes nomeados pelo governo Jair Bolsonaro. Em ambos os casos, no entanto, o Ministério Público recorreu.
Indígenas das duas etnias foram perseguidos e obrigados a deixar suas terras no período da ditadura militar. Eles nunca receberam indenização ou compensação por isso já que, até agora, apenas pedidos individuais eram analisados pela Comissão de Anistia.
Os pedidos de reparação coletiva são uma novidade, e só foram incluídos no regimento da comissão em 2023.
Esse tipo de pedido não gera ressarcimento financeiro. Mas no caso dos indígenas, por exemplo, podem representar uma nova etapa na garantia de direitos a essas comunidades, com a retificação de documentos, a inclusão no Sistema Único de Saúde (SUS) ou avanços no processo de demarcação de terras.
Ao final da análise do caso Krenak, a presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz, se ajoelhou e e pediu desculpas aos indígenas em nome do Estado brasileiro.
“Peço permissão para me ajoelhar com a sua benção. em nome do Estado brasileiro, eu quero pedir perdão por todo sofrimento que o seu povo passou. A senhora, como liderança matriarcal dos Krenak, por favor, leve o respeito, nossas homenagens e um sincero pedido de desculpas para que isso nunca mais aconteça.”
O caso Krenak
A reunião da Comissão de Anistia foi aberta com um ritual de bênção comandado pela líder Djanira Krenak.
O pedido formulado pelo Ministério Público de Minas Gerais inclui, mas não se resume ao período da ditadura militar. O MP cita violações cometidas entre 1947 e 2023.
O coordenador-geral dos Direitos Sociais Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Jecinaldo Sateré, descreveu a perseguição e a tortura sofridas pelo povo Krenak durante a ditadura.
“Durante a ditadura militar, o povo Krenak sofreu tortura, prisões, teve indivíduos submetidos a maus tratos, trabalho forçado e deslocamento compulsório de seu território. Sofreram ataques decorrentes da criação da Guarda Rural Indígena. Foram submetidos a instalação do Reformatório Krenak, um presidio para indígenas, e sofreram deslocamento forçado de indigenas para a fazenda Guarani no município de Carmenésia (MG), que também funcionou como centro de detenção arbitrária após a extinção do Reformatório Krenak”, relatou.
Relator do caso, o conselheiro Leonardo Kauer Zinn afirmou que “embora os indigenas não constituissem organização com discurso político de oposição ao regime, a sua mera existência representava empecilho ao projeto de desenvolvimento implantado pela ditadura militar”.
“Quando houve reação mais forte e organizada dos povos indígenas, inclusive com repercussão política internacional, pela preservação de sua identidade, então foram esses [indígenas] tratados como comunistas, subversivos, inimigos do regime”, explicou.
‘Caso dos 9 Chineses’
A Comissão de Anistia também deve julgar, nos próximos dias, a revisão do que ficou conhecido como “Caso dos 9 Chineses”.
No episódio, em 1964, nove diplomatas chineses foram detidos, torturados, condenados à prisão e, depois, expulsos do Brasil com base em uma acusação falsa de “subversão”. Eles teriam conspirado contra a ditadura militar recém-instalada, mas essa acusação nunca foi provada.
A expulsão do grupo só foi revogada oficialmente pelo governo brasileiro em 2014, após os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Até então, por quase 50 anos, o grupo seguiu proibido de voltar ao Brasil.