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sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Quem é Sandra Terena, a 1ª indígena a assumir uma secretaria no governo federal

Curitibana de 37 anos, da etnia Terena, que vai assumir a Secretaria de Polí­ticas de Promoção de Igualdade Racial, diz que Jair Bolsonaro está dando visibilidade inédita a minorias.

A jornalista de Curitiba Sandra Terena, com 37 anos de idade, e indí­gena da etnia Terena, se prepara para se mudar para Brasí­lia, onde comandará a Secretaria Nacional de Polí­ticas de Promoção da Igualdade Racial, ligada ao Ministério da Mulher, da Famí­lia e dos Direitos Humanos, pasta entregue a Damares Alves pela gestão Jair Bolsonaro (PSL) . Em entrevista í  Gazeta do Povo nesta sexta-feira (4), Sandra Terena, ou “Alieté”, como é chamada na aldeia Icatu, antecipou uma prioridade imediata – uma varredura nos 250 convánios existentes identificou a ausáncia de prestação de contas em 160 casos. Mas, questionada sobre como ficarão as ações afirmativas, em especial a polí­tica de cotas raciais, já criticada pelo presidente eleito, Sandra Terena se esquivou: “Eu acho que teria que ser a ministra para te informar”.

Na contramão da Articulação dos Povos Indí­genas do Brasil (APIB), a jornalista também comentou que vá “com tranquilidade” a polámica Medida Provisória que transferiu o processo de demarcação de terra indí­gena – até então uma prerrogativa da Funai – para as mãos da pasta da Agricultura. Também saiu em defesa do novo presidente da República: “O governo Bolsonaro está dando uma visibilidade inédita para minorias”.

Vocá é indí­gena da etnia Terena, certo? Onde nasceu?
Sim. Nasci em Curitiba. Meu pai saiu da aldeia Icatu, no interior de São Paulo, para servir o quartel em Curitiba, e eu acabei nascendo em Curitiba. Então eu morei na cidade, mas indo sempre para aldeia, que tem Kaingangue e Terena. Meu avô, e tenho muito orgulho, foi um dos patriarcas da aldeia Icatu. E ele sempre me dizia, e dizia para o meu pai também, quando jovem, que seria interessante meu pai conhecer a cidade, conhecer outro mundo, a sociedade. E, para mim, ele [avô] também sempre dizia que era para eu estudar, para ter conhecimento, e defender o nosso povo. Eu tenho trás irmãos. E, por causa do acesso í  educação, acabamos nos fixando em Curitiba. Mas sempre tive contato com meus parentes, avôs, tios, primos, na aldeia. Eu tenho uma famí­lia muito grande lá. Meu pai é de uma famí­lia de 10 filhos.

Como está a aldeia hoje? O que mudou por lá?
Ela existe, é uma aldeia bem estruturada, por conta de uma parceria com o governo estadual, de São Paulo. O pessoal da aldeia ganhou casas de alvenaria. Hoje tem internet na aldeia, tem luz elétrica, tem água, campo de futebol, escola, posto de saúde. Hoje eu acho que vivem lá em torno de umas 50 famí­lias…

E, em Curitiba, vocá se formou em jornalismo?
Sim, na Universidade Positivo. Me formei em 2003. Sou a primeira jornalista indí­gena do paí­s. E escolhi jornalismo justamente porque vejo a comunicação como uma ferramenta muito forte que a gente pode usar em favor da causa.

Vocá tem uma militância contra o infanticí­dio, certo?
Sim, me aprofundei mais sobre esta temática. Fiz um documentário sobre isso [em 2009]. Usei a minha formação para dar voz a uma causa que é muito delicada de falar. Foi um tema que me tocou muito, como mãe, como indí­gena.

O infanticí­dio agora é residual? Por quantas etnias isso é praticado hoje? Temos dados?
Pelo levantamento que a gente fez na época da produção do documentário [em 2009], a gente detectou que existiriam pelo menos 20 povos [que adotam a prática do infanticí­dio]. Mas temos um problema na tabulação dos dados. Não existe um registro… Se, por exemplo, uma mãe indí­gena deixa de alimentar uma criança, ela pode ir a óbito por inanição [e não por infanticí­dio]. Então não tem como identificar.

Vocá criou uma ONG, a Aldeia Brasil, certo? O que ela faz? Ainda atua nela?
Eu não estou mais na Aldeia Brasil, desde o ano passado, mas eu usava a minha formação [comunicação social] para dar visibilidade í  causa indí­gena. Promover e valorizar a cultura indí­gena, principalmente o povo guarani. Eu tenho contato muito grande com o povo guarani. í‰ uma cultura que eu gosto muito. Por meio da Aldeia Brasil, fizemos ações para dar visibilidade a esse povo. E também participamos da articulação da primeira aldeia urbana do Sul do Brasil, a Kakané Porã, na região do Campo de Santana, em Curitiba. Participei da fundação da ONG e fiquei nela por volta de 13, 14 anos.

O presidente Bolsonaro falou que há indí­genas manipulados por ONGs. Como vocá entende a questão?
Eu concordo com isso. Acho que as minorias no Brasil muitas vezes foram utilizadas como massa de manobra. Eu participei da transição e tenho visto as pessoas preocupadas com quem está lá na ponta, sem intermediários. Ou seja, dar o protagonismo para quem está lá na ponta. Tem ONGs que fazem um trabalho sério, claro, mas também tem ONGs que utilizam a causa em benefí­cio duvidoso.

Sobre a questão indí­gena: um dos primeiros atos do presidente Bolsonaro foi a elaboração de uma Medida Provisória que retira da Funai e transfere para a pasta da Agricultura a demarcação de terras indí­genas. Como vocá viu a decisão?
Eu vejo com muita tranquilidade. O presidente Bolsonaro está muito ciente das ações que tám tomado. Ontem mesmo a própria ministra (Mulher, Famí­lia e Direitos Humanos) Damares Alves foi entrevistada sobre o assunto e ela explicou que a Funai vai continuar trabalhando junto e não vai perder força. Acredito que seja um trabalho diferenciado sim, do governo Bolsonaro, mas valorizando também o povo indí­gena. Não vai haver prejuí­zo.

Movimentos indí­genas, como a Articulação dos Povos Indí­genas do Brasil (APIB), se manifestaram publicamente contra a Medida Provisória. A APIB chegou a divulgar um texto no qual classifica declarações do presidente Bolsonaro [sobre a questão indí­gena] como “preconceituosas, racistas e integracionistas”. Vocá acompanhou a repercussão? Como vá a reação?
Acompanhei sim, mas o governo Bolsonaro está aberto ao diálogo. Acho que [a crí­tica] é infundada. Eu sou indí­gena. O meu secretário adjunto [Esequiel Roque do Espí­rito Santo] é um negro. Dentro da diretoria, também temos um cigano [Igor Shimura]. Ou seja, o governo Bolsonaro está dando uma visibilidade inédita para minorias, até então nunca dada.

O que se planeja para a Secretária Nacional de Polí­ticas de Promoção da Igualdade Racial? O que já dá para anunciar de concreto?
Ela vai continuar com o combate de enfrentamento ao racismo e com a realização de ações afirmativas, de promoção da igualdade racial. Também trazendo para mais perto de si a questão do indí­gena, do cigano, e dos povos tradicionais. Nos 100 primeiros dias, uma ação que a gente quer priorizar é a reavaliação de convánios. A gente detectou que, dos 250 convánios da secretaria [com entidades, municí­pios, estados], 160 estão com prestações de contas pendentes. Vamos fazer uma força-tarefa para ver esses contratos e tomar as medidas cabí­veis. O governo Bolsonaro vem forte com esta questão, do combate í  corrupção, da efetividade do serviço público. Então é uma coisa importante a se fazer. Colocar a casa em ordem.

Vocá falou das ações afirmativas, que elas devem permanecer. Mas, durante a campanha eleitoral, Bolsonaro criticou a polí­tica de cotas raciais, em concursos, vestibulares. Já houve uma conversa com ele sobre isso?
Sim, com a ministra também. Estamos vendo esta questão das cotas, mas está tudo em análise ainda.

Mas há possibilidade de mudança na polí­tica de cota?
Quanto a isso, eu acho que teria que ser a ministra para te informar…

Como vocá conheceu a ministra Damares? Como surgiu a indicação para ocupar a cadeira da secretaria?
A gente se conheceu em meio ao trabalho do infanticí­dio, há alguns anos. Ela é uma defensora dos direitos humanos. E eu sou uma defensora de pais e mães indí­genas que querem lutar para manter seus filhos vivos. Foi a partir daí­ que a gente estabeleceu uma relação.;

Fonte: Gazeta do Povo

2019-01-07 08:46:00

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