No Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, destacamos a importância das mulheres na agricultura sustentável. Um exemplo vivo de como elas podem desempenhar um papel crucial na construção de comunidades resilientes, promovendo práticas agrícolas ecologicamente corretas.
“Quero vender produtos orgânicos para minha clientela e levar saúde as suas famílias. Daqui a cinco ou dez anos, vou tá morando dentro de uma floresta”, é com essa declaração que a agricultora familiar por vocação e administradora por formação universitária, Carline Yumi Ohi, define seus objetivos dentro da prática de aglofloresta que ela passou a adotar em sua propriedade desde 2020.
Propriedade que faz parte do assentamento Campo Verde, situado no município de Terenos, há 70 km de distância de Campo Grande. É lá, no Sítio Primavesi, em meio às vastas paisagens verdes, longe dos centros urbanos agitados, que é cultivada a história desta mulher resiliente, de descendência japonesa, que vê na sustentabilidade a porta de entrada para um futuro melhor.
Por falar em local de chegada, tudo naquele lugar traz um simbolismo muito importante. A escolha do nome do sítio é prova viva disso, tanto como as plantas e o rebanho que ela cuida dentro da sua propriedade de cerca de 29 hectares. “O sítio se chama ‘Primavesi’ porque é uma referência a uma sueca muito importante, Ana Maria Primavesi, a mãe da agroecologia. Uma mulher que sobreviveu ao holocausto, veio para o Brasil e trouxe o conhecimento dela e dedicou sua vida a estudar os solos tropicais e que o modelo de ‘revolução verde’ não cabia em nosso país”.
Legado feminino esse que Carline tem por fonte de inspiração seja no fino trato com a terra, no atendimento amistoso com os seus clientes, nas vendas em Terenos e Campo Grande e, também, nos estudos. Aliás, esse campo da vida ela já vem se preparando para um novo desafio: o mestrado pela Universidade de Lavras (MG), com duração de 18 meses, em formato semipresencial.
“A minha propriedade faz parte do Projeto Rural Sustentável e, dentro dessa iniciativa, começo este ano o meu mestrado”, revela ela, com um sorriso no rosto, os objetivos que pretende colher ao longo da sua mais nova jornada acadêmica. “Decidi fazer mestrado porque eu quero mudar a minha comunidade. No meu projeto vou pesquisar e entender quais são as dificuldades, gargalos, na comercialização, em especial, a produção sustentável, os desafios do mercado, impactos e potencialidades”.
A ideia segundo Carline é conseguir tornar esse conhecimento palpável para sua propriedade e para os demais agricultores familiares. Afinal, compartilhar saberes é algo que já faz parte da sua rotina considerando que ela começou a atuar na agricultura familiar, no ano de 2013, lecionando em cursos técnicos dentro de uma instituição de Ater – Assistência Técnica e Extensão Rural – e nunca mais parou de dedicar parte de sua vida ao amor à terra.
“Em 1996, me formei em administração pela Uniderp. Foi bem mais tarde que fui trabalhar com a agricultura familiar a convite de uma amiga, na época eu estava desempregada, e ela perguntou se eu não queria assumir a vaga já que para ela seria inviável”, conta Carline que no ato não titubeou e respondeu, “Olha, para quem passou 10 anos no Japão, com uma criança de colo e sem saber falar o idioma, desafio é algo que não me amedronta”.
E, nessa toada de coragem e força de vontade para aprender foi que ela nunca mais deixou a agricultura familiar. Por sete anos, percorreu diversos municípios lecionando cursos até que, em 2020, por conta da pandemia se rendeu aos saberes da agrofloresta e fincou os pés no sítio.
“Um ano antes, conheci os ensinamentos de um cara genial através do Projeto Rural Sustentável, o suíço Ernst Götsch. Ele tem uma fazenda na zona cacaueira. Lá, ele aplica seus conhecimentos agroflorestais e já conseguiu recuperar 14 riachos, dizem que ele ensina a ‘plantar água na Bahia’ por causa disso”, conta.
Talvez, aqui, no Mato Grosso do Sul ele também fez uma nova semeadura: o amor de Carline pela agrofloresta. Em sua propriedade, ela tem orgulho de percorrer suas áreas de plantio consorciado de várias espécies (banana, mamão, goiaba, limão, café, pupunha, taioba, maxixe, abacaxi, mandioca, batata-doce, baru, etc) e observar junto aos visitantes a diferença do microclima e, principalmente, da cor do solo que passou de um tom pálido para uma terra escura e cheia de vida, microorganismos.
“Essa terra era do avô do meu marido, ficou para o meu sogro e, agora, eu e meu esposo, Gleison. O sítio não tinha nome, era lote 1 [numeral de identificação no assentamento]. Naquela época, ninguém plantava, o foco era a pecuária, ninguém plantava e você tinha que comprar frutas e verduras de fora”, afirma a agricultora que viu ali uma janela de mercado. “Perguntei se eu podia tirar uma área para plantar e foi assim que começou”.
De lá para cá, Carline não só terminou de criar as filhas, Nadine e Isabela, e o enteado, Alexandre, ao lado do esposo, como criou estreitou laços com a vizinha e fez novas parceiras com outras instituições como a Agraer. “Em 2015, passei a ter contato com a Agraer para tirar a documentação do lote e foi aí que começou as visitas, dias de campo e cursos. Depois, consegui um total de R$ 200 mil por meio de dois projetos no Pronafs. Aqui, a Jovelina [servidora da instituição] já deu dois cursos de abelha sem ferrão. Já participei de atividades de agrofloresta no Cepaer”.
Toda uma história que ela vem construindo com dedicação na base dos preceitos do Ikigai, ensinamento japonês que traz dos anos que viveu na “Terra do Sol Nascente”. “Em japonês, Ikigai significa a razão pela qual eu acordo todos os dias, a razão para viver, e o meu Ikigai é a agrofloresta, meu propósito de vida”.
Algo que Carline pratica diariamente, desde a lida com a terra até a entrega de saúde aos seus alimentos. “Eu quero vender produtos que promova qualidade de vida as famílias que eu atendo. É o modo que encontrei de fazer a diferença na vida das pessoas, na natureza. E, tudo dando certo, quero acessar o PAA do município, promover o turismo rural e quem sabe promover o voluntariado, intercâmbio, para que pessoas de outros lugares tenham acesso a prática da agrofloresta como um dia também me proporcionaram”.