A Santa Casa de Campo Grande passa atualmente por problemas de superlotação de leitos, causados principalmente pelo aumento no número de pacientes do setor de trauma em busca de atendimento de ortopedia no hospital. Médicos da entidade revelam que, desses pacientes, a grande maioria chega até a unidade por conta de acidentes como colisões, quedas e brigas.
Médica intensivista e gerente de Regulação do hospital, Patrícia Berg Leal informa que a Santa Casa tem 600 leitos para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e que na manhã de ontem tinha 587 pacientes internados, sendo alguns deles no pronto-socorro aguardando liberação de vaga na enfermaria.
A situação de superlotação da Santa Casa vem sendo uma realidade para o hospital há uma semana, principalmente em virtude do aumento de pacientes de trauma ortopédico. Patrícia relata que só no último fim de semana havia 55 pessoas na fila pré-ortopédica e que outros 54 pacientes chegaram à unidade via encaminhamento.
“A questão da superlotação da Santa casa é multifatorial. Não existe um único culpado. A gente tem uma baixa prevenção de doenças crônicas, a gente não tem tantas campanhas para acidentes de trânsito. Então, por exemplo, hoje a gente tem 47 pacientes aguardando por uma cirurgia ortopédica dentro da instituição. Durante o [último] fim de semana, chegamos a ter 55 pacientes nessa fila, que a gente chama de pré-ortopedia, ou seja, eles estão aguardando por um procedimento cirúrgico, alguns para passar por um segundo tempo depois e outros para poder ter no seu destino a alta hospitalar. E mesmo assim, nós recebemos 54 encaminhamentos de pacientes”, esclarece a gerente de Regulação.
O hospital também dispõe de 115 leitos para pacientes do SUS, que são da Unidade de Trauma. Ainda assim, em alguns casos, principalmente durante ou após feriados festivos como o Carnaval, essa quantidade de leitos não consegue atender toda a demanda hospitalar, por conta da chegada de novos pacientes por meio da Rede de Atenção à Urgência e Emergência (RUE).
Médico cirurgião torácico e coordenador do Centro Cirúrgico, Diogo Gomes pontua também que todo o atendimento passa pela forma como é feita a contratualização do serviço pelo SUS.
Segundo ele, a Santa Casa tem um contrato que prevê um perfil de paciente específico para a regulação do hospital, porém, muitas vezes, a entidade acaba absorvendo pacientes que não estão dentro desse perfil, o que acaba naturalmente aumentando a demanda da instituição.
O Centro Cirúrgico da Santa Casa funciona 24 horas, e só na ortopedia, que dispõe de cinco das 16 salas, é realizado em média 30 procedimentos diários, aproximadamente 800 por mês. Além dos pacientes de urgência e emergência, o hospital realiza também cirurgias eletivas na área de ortopedia, que ficam em torno de 30% a 40% do total da capacidade, dependendo da demanda da Santa Casa.
“Para a gente não deteriorar clinicamente o paciente que está grave, que necessita de uma abordagem cirúrgica mais precoce, existe um protocolo clínico institucional desenvolvido pela ortopedia, que avalia o nível da patologia e a condição clínica do paciente para priorizá-lo na cirurgia”, explica o cirurgião.
“Uma das coisas que mais impacta é que a maioria dos procedimentos são de média complexidade, e isso envolve procedimentos menores. Então, esses pacientes estão menos graves, têm um primeiro tempo cirúrgico para tirar do critério de urgência e podem ser reabordados posteriormente, em um segundo momento. Isso acaba criando um ciclo vicioso de pacientes dentro da instituição, e a gente não consegue dar conta da demanda”, detalha.
Gomes relata ainda que, em números, a Santa Casa opera com a capacidade de profissionais de ortopedia dentro do contexto de contrato, com vagas de salas cirúrgicas e disponibilidade do centro cirúrgico. No entanto, o hospital não consegue vencer a demanda de pacientes, não por serem necessariamente mal encaminhados, mas porque “falta um trabalho mais firme na prevenção dos acidentes e dos traumas para que diminuam esses pacientes de baixa complexidade”.
Entre as demandas de cirurgias eletivas que a Santa Casa atende, as especialidades são as mais variadas, como neurocirurgia, urologia e cirurgia cardíaca pediátrica e adulta.
“A gente divide isso em duas portas de entrada. Tem a porta de entrada do Pronto Atendimento, que é a demanda que a RUE traz para a Santa Casa, e a demanda ambulatorial, que é o paciente eletivo, que está aguardando na fila para a cirurgia eletiva. A gente tem que atender essas duas demandas. Como a nossa demanda tanto para eletiva quanto para a RUE é alta, é difícil de imaginar que a gente vai conseguir vencer essa capacidade técnica de atendimentos”, informa o chefe do Centro Cirúrgico.
Os médicos pontuam que, além das demandas dessas “duas portas”, os pacientes mais complexos, que precisam de mais de um procedimento ou alguma especialidade ortopédica, precisam ficar mais tempo nos leitos, o que também colabora com a superlotação.
SOLUÇÃO
Entre as possíveis soluções pontuadas pelos especialistas da Santa Casa estão os arranjos e os acordos dentro da própria instituição, o que, segundo eles, é feito constantemente.
Além disso, são necessários locais adequados para a desospitalização. De acordo com os profissionais, muitos pacientes não conseguem voltar rapidamente para uma vida ativa e acabam precisando de cuidados de terceiros, o que as famílias não conseguem proporcionar. Com isso, esses pacientes seguem no hospital.
Ainda, uma melhor atenção à saúde primária, a fim de prevenir doenças como as crônicas, que podem ser tratadas em outras unidades, e não evoluir para casos mais graves, que necessitam de cirurgias e internações. Por fim, os médicos também elencam uma revisão para a melhora do fluxo de entrada e saída na unidade como uma das soluções para o problema atual.
Foi relatado que há o apoio de diversos hospitais, como o São Julião, que auxilia com a demanda de pacientes que se tornam clínicos, e o Hospital Universitário (HU) e o Hospital Adventista do Pênfigo, os quais também atendem pacientes de trauma, porém, em uma escala menor.
“A gente tem outros hospitais que também recebem [casos de] ortopedia, mas em um fluxo infinitamente menor que o nosso, por exemplo, o HU e o Pênfigo, que hoje em dia também estão no serviço da RUE recebendo esses pacientes, mas eles não têm a capacidade de atendimento de alta complexidade, ou seja, dos politraumas, dos acidentes de trânsito mais graves, que a Santa casa tem”, exemplifica Patrícia.
Até a publicação desta reportagem, a Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande (Sesau) não respondeu a respeito de quais são as iniciativas do município – a médio e a curto prazo – para resolver a problemática da superlotação de pacientes da Santa Casa.
SAIBA
O setor de trauma comporta 118 leitos, porém, vem recebendo cerca de 18 pacientes a mais por dia, chegando a 136, os quais, na maioria dos casos, são demandas de ortopedia.