O Conselho Monetário Nacional (CMN) fixou um teto de 100% para as taxas de juros do rotativo do cartão de crédito. Dessa forma, dívidas que não forem pagas pelos usuários poderão ser no máximo dobradas, e não mais terem um acréscimo de 400%. A medida entrará em vigor no dia 2 de janeiro de 2024.
Em Mato Grosso do Sul, parte da população pode ser beneficiada pela mudança, uma vez que, atualmente, o maior responsável pela inadimplência no Estado é o cartão de crédito, motivado pelo elevado índice de juros cobrado sobre a dívida. Segundo Mapa da Inadimplência da Serasa, em novembro deste ano, MS totalizou 336.890 negativados com bancos.
Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Lei nº 14.690/2023 remete ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a fixação de limite para os juros do cartão de crédito, cobrados quando o consumidor não paga a fatura. Situação que até o início deste mês era de total liberdade para as próprias instituições financeiras.
Conforme a lei, que estabeleceu também o programa Desenrola Brasil, as taxas de juros terão um teto de 100% do valor da dívida. Ação foi oficializada após os bancos não apresentarem uma proposta de autorregulação.
Com 1,056 milhão de pessoas negativadas em MS, o economista Eduardo Matos avalia que a regulação coloca fim às taxas de juros abusivas, fator preponderante no aumento da inadimplência tanto no Estado quanto no País.
“Se pegar uma parcela desses consumidores, alguns deles são negativados somente no cartão de crédito. Com taxações mais acessíveis, torna-se mais difícil a conversão em dívida”, exemplifica.
Em um segundo momento, Matos avalia que a mudança pode também beneficiar o mercado de consumo.
“Se a situação se regularizar, eles [negativados] se tornarão aptos novamente a acessar linhas de crédito, pois o Cadastro de Pessoa Física [CPF] estará novamente sem restrições e o seu score aumentará”, aponta.
Para o mestre em Economia Lucas Mikael, a redução dos juros do rotativo “na canetada” tende a levar o consumidor a um desvio para outras modalidades emergenciais que não tenham o crédito regulado.
“Portanto, pode não ser a solução para melhora da situação financeira e do alto nível da inadimplência. Acredito que uma solução mais estrutural para as famílias passa pela redução da inadimplência e da queda do risco de crédito no País”, pondera.
ROTATIVO
Em 2017, o Banco Central chegou a estipular regras para o cartão de crédito parcelado. Na ocasião, o cliente que não conseguisse pagar integralmente a fatura só poderia ficar no rotativo por 30 dias, ou seja, os juros só poderiam ser cobrados até o vencimento da fatura seguinte. Com a medida, os juros do cartão de crédito parcelado e do rotativo dispararam.
“O crédito rotativo do cartão crédito é utilizado toda vez que não se paga o total da fatura de cartão de crédito”, detalha Mikael sobre a modalidade de crédito que, em sua visão, tende a se tornar um círculo vicioso.
“Os juros do rotativo do cartão de crédito são elevados justamente por causa do grande risco de inadimplência. Em um intervalo de 90 dias, metade do valor emprestado via crédito rotativo não é paga. E, por sua vez, a inadimplência é alta em razão dos juros altíssimos, que dobram o valor devido em um curtíssimo período de tempo, podendo se transformar na chamada bola de neve”, diz o mestre em Economia.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, exemplificou a mudança decorrente da limitação dos juros.
“Suponha que uma pessoa hoje contrate uma dívida de R$ 1.000 no cartão de crédito e não pague. Ela estaria sujeita a quase 500%, 450% de juros no ano. [Com a medida], não vai poder exceder 100%”, disse em entrevista coletiva.
A partir do mês que vem, caso a uma fatura de R$ 500, por exemplo, não seja paga, a cobrança de juros e encargos pelo banco nunca poderá ultrapassar os mesmos R$ 500, totalizando R$ 1.000, independentemente do prazo.
RETROSPECTO
Durante o trâmite, as partes interessadas na resolução seguiram caminhando a passos lentos, já que a possibilidade de um consenso entre os setores envolvidos nas discussões (bancos, credenciadoras e varejo) culminou na regulamentação definitiva do texto previsto na Lei do Desenrola, aprovada em 3 de outubro deste ano.
Durante as argumentações, as instituições financeiras defenderam a permanência da independência e da autoridade monetária. Os bancos estimam que a mudança prevista no Desenrola terá impacto de, no máximo, 2 pontos porcentuais ao mês nos juros do cartão rotativo.
Assim, apontam que o produto continuaria caro, mas a mudança poderia trazer prejuízos significativos às instituições e reduzir a oferta de crédito, segundo fonte que participa das discussões.
Os bancos já haviam mandado ao Banco Central uma proposta de autorregulamentação do teto estabelecido em lei. Como o texto do Desenrola é geral, a proposta buscava sanar dúvidas, explicitando, por exemplo, como se dará a operacionalização do teto, e sugerir prazos de implementação.
Entretanto, ao sancionar a lei que criou o programa de renegociação de dívidas, o governo estabeleceu um prazo de 90 dias para que todos os agentes econômicos envolvidos no mercado de meios de pagamento chegassem a um entendimento para a redução dos juros do rotativo do cartão.
No fim, o prazo esgotou-se e as instituições financeiras não apresentaram uma proposta de autorregulação. Diante da situação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pontuou que, caso houvesse outra deliberação pelo CMN, isso poderia ser revisto, mas o que vale é o que está na lei.
“Não se chegou a um entendimento de autorregulação. O voto que foi aprovado no dia 21 de dezembro simplesmente disciplina o que está na Lei do Desenrola. Estão valendo as regras normais do cartão, a única mudança é que, a partir de janeiro, os juros estão limitados ao valor do principal”, afirma.
Portanto, independentemente do juro mensal, o teto fica estabelecido em 100%, não aumentando além do valor original, o que coloca uma trava no juro acumulado.