Decisão também estabeleceu prazo de um ano para conclusão do processo de demarcação de terras da Comunidade Ivy Katu, sob pena de multa diária de R$ 3 mil
O Juiz Federal Substituto Bruno Barbosa Stamm, da 1ª Vara Federal de Naviraí, no estado de Mato Grosso do Sul (MS), condenou a União e a Fundação Nacional do índio (Funai) ao pagamento de danos morais coletivos arbitrados em R$ 4 milhões, por atraso na demarcação de terras da Comunidade Indígena de Yvy Katu.
A sentença foi proferida em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e também determinou a conclusão do processo de demarcação no prazo de um ano, sob pena de multa diária de R$ 3 mil.
Atualmente, os indígenas, que pertencem í etnia guarani-í±andeva, estão na posse da Aldeia Porto Lindo/Jacarey, localizada na terra indígena Yvy Katu. âA tradicionalidade de sua ocupação é incontroversa, tanto é que foi instaurado processo administrativo para sua demarcaçãoâ, explicou o magistrado.
O laudo antropológico produzido concluiu que o âaldeamentoâ não tem relação necessária com as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. âOs guaranis-í±andeva foram retirados das terras que tradicionalmente ocupavam por ação do Estado brasileiro, que as considerou devolutas, e, posteriormente, alienou-as a particulares, reservando pequena extensão í população primevaâ, destacou.
Segundo o Juiz Federal, o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleceu o prazo de cinco anos, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, para a conclusão da demarcação de terras indígenas pela União.
Além disso, o Decreto 1.775/1996 atribuiu í Funai a iniciativa e orientação da demarcação administrativa de terras indígenas. Todavia, passados mais de 25 anos do fim do prazo para demarcação, não foi concluído o processo referente í terra da comunidade Yvy Katu.
âApenas no ano de 2001, a Funai constituiu grupo técnico, através da Portaria nº 724/Funai/2001, a fim de identificar e delimitar a terra indígena Yvy Katu, ou seja, passados aproximadamente oito anos do termo final do prazo constitucional para demarcaçãoâ, relatou o magistrado.
Para ele, ainda que os guaranis-í±andeva tivessem ocupado fazendas localizadas no espaço geográfico das terras reclamadas e estivessem sendo mantidos nelas por decisões judiciais, seu estado é precário e não poderá ser considerado definitivo até que a União e a Funai concluam o processo de demarcação.
A sentença entendeu que o início e a conclusão do processo administrativo para a demarcação deveria observar prazo razoável, pois o atraso do Estado gera inúmeros malefícios í s populações envolvidas, como limitação na assistáncia prestada pelo Estado e o envolvimento em conflitos fundiários.
Ainda que, em 2001, a Funai tenha iniciado um processo demarcatório, o fracasso desse procedimento, no entender do Juiz Federal, pode ser atribuído í s rés, que não assegurou o contraditório ao proprietário da Fazenda Remanso Guaçu, localizada na área.
Tekoha
âAo indígena não basta a simples posse de terras, mas sim a posse das terras por eles tradicionalmente ocupadas, uma vez que sua cultura, seu modo de ser, está umbilicalmente conexo a ela. Estes locais, chamados de tekoha, não se referem apenas ao espaço geográfico, mas sim a todos os elementos históricos, políticos e religiosos intrínsecos a área, tornando-a o local ideal e necessário para seu desenvolvimento sociocultural, conforme reconhecido, inclusive, pela Constituição Federal em seu artigo 231, parágrafo 1ºâ, explicou o Juiz Federal.
Para o magistrado, a demora na demarcação da Terra Indígena Yvy Katu tem gerado diversos prejuízos de ordem extrapatrimonial ao grupo dos guaranis-í±andeva, pois os indígenas estão impedidos âde usufruir de modo pleno de seu tekoha e, em consequáncia, de viver de forma plena seu modo de serâ. Para ele, também há risco í integridade física e í vida dos indígenas, já que os conflitos, muitas vezes, terminam de forma violenta.
A decisão conclui que existe dever do Estado em concluir os procedimentos de demarcação de terras em tempo razoável e adequado, a fim de permitir que os povos indígenas possam se desenvolver socioculturalmente, devendo o Poder Judiciário intervir para fazer valer tais direitos.
Por fim, o valor do dano moral coletivo deverá ser revertido em investimentos diretos, visando a promoção de políticas públicas destinadas aos indígenas pertencentes í comunidade indígena de Yvy Katu, completou o juiz federal.
Fonte: Assessoria TRF3
2018-10-30 15:21:00